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Parte I: Malandragem: Não tem tradução

 

“Tudo aquilo que o malandro pronuncia
Com voz macia é brasileiro, já passou de português”

 

– Noel Rosa, Não tem tradução

 

Todos bradam aos quatro ventos sobre a saudade. Talvez, a mais famosa palavra da língua portuguesa. A palavra sem tradução para qualquer outra língua. Até eu mesmo já me rendi à saudade e dediquei a ela algumas linhas mal digitadas. Mas, existem outras palavras em português que não são traduzíveis (pelo menos não unanimemente ou facilmente) para outros idiomas. Uma delas é a malandragem, que, como é próprio de sua natureza, não faz estardalhaço, ao contrário da saudade, pois prefere passar despercebida. Vamos então, tirar a boa e velha malandragem do botequim, a tal malandragem de Bezerra da Silva, de Noel Rosa e de Chico Buarque e, que segundo esse último, nem existe mais.

 

Comecemos por dizer o que não é a malandragem. A malandragem não é a corrupção quem emporcalha os governos e instituições públicas deste país e que nos deram fama de campeões mundiais da desonestidade. A malandragem não é burlar sistemas de licitações, concessões ou compras públicas para que sua empresa possa garantir o lucro máximo. A malandragem não é pedir para que alguém assuma suas multas de trânsito para que você continue dirigindo. A malandragem não é estelionato, não é suborno, não é infração, não é improbidade. Esses são desvios da malandragem, uma tentativa de fazer da malandragem algo “profissional”, mas como a malandragem é anti-profissional e amadora por definição, tais tentativas estão fadadas a tornarem-se os crimes, desonestidades e falta de hombridade citados acima, como diria, Chico Buarque:

 

“Agora já não é normal, o que dá de malandro
regular profissional, malandro com o aparato de malandro oficial,
malandro candidato a malandro federal,
malandro com retrato na coluna social;
malandro com contrato, com gravata e capital, que nunca se dá mal.”

– Chico Buarque, Homenagem ao Malandro.

 

A malandragem, portanto, é amadora, independente, não-governamental e não implica em preocupação com a reputação ou status social (exceto, é claro, com outros malandros). A única forma de associação permitida pela malandragem é a com os malandros “chegados” (colegas) e constitui uma informal unidade a qual também nos referimos como “A Malandragem”.

 

“É que a Malandragem reivindicava, ora veja você… insalubridade pro cavaco e pra viola”

– Os Originais do Samba, A Malandragem entrou em Greve

 

Como explicar, então, o que vêm a ser a verdadeira malandragem. A malandragem é a pequena esperteza, a capacidade de improvisação, a arte de resolver (geralmente contornando) conflitos por meio de métodos não-convencionais ou inesperados. A malandragem não pode ter nenhuma dessas coisas que suas perversões têm, porque é diametralmente oposta ao poder. A malandragem não é a lei do forte, pelo contrário, é, no fundo, a arte de transformar uma desvantagem (e geralmente mais de uma, seja ela física, financeira, de escolaridade) em vantagem.

 

A malandragem, como muitas outras coisas, talvez seja de difícil definição em abstrato e exija um grande tratado. Mas, talvez, seja de fácil explicação por meio de exemplos. Porém, por enquanto, nos contentemos com o que já sabemos: que a palavra malandragem denota a arte/perícia/característica daquele que é malandro, o conjunto/espécie (em hipótese alguma “organização) dos malandros assim como o coletivo de malandro. E que a malandragem não é picaretice, vigarice, desonestidade e nem crime.

 

Os exemplos e as definições ficam para o(s) próximo(s) post(s) porque eu, como bom malandro, não posso gastar todos os meus recursos de uma única vez.

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