A complicabilidade da falabilidade

img_logo_br

Bastou que Tite, técnico do time de futebol Corinthians, criasse o infeliz neologismo “treinabilidade” durante uma entrevista coletiva para que uma nova brincadeira se espalhasse pelos blogs e twitters de toda a nação. É claro que a presença ou não da brincadeira depende da boa-humorabilidade, twitabilidade e blogabilidade de cada um. Tite não é, de forma alguma, o primeiro técnico de futebol a maltratar a linguagem ao querer falar bonito. Nesse aspecto, perde de goleada para o ex-goleiro e treinador Leão, especialista em massacrar a linguagem, a lógica e a coerência. Contudo, tanto Tite quanto Leão não são os vetores da doença, e sim apenas o sintoma de uma doença em seu estado mais crônico (ou cômico).

 

A doença em questão é que nós, brasileiros, gostamos de falar complicado. Não pelas mesmas razões paranasianas pelas quais Bilac o fazia. Não por amor a linguagem. Gostamos de fazê-lo por amor ao status. Usar um determinado jargão técnico parece nos separar da ralé, a exemplo, como diria um de meus alunos, de usar terno e gravata durante um churrasco de família. Usar um jargão técnico faz com que deixemos de ser comuns, um zé povinhos e nos transforma, quase que imediatamente, em parte do clube dos intelectuais, dos advogados, dos médicos, dos contadores, dos executivos. Enfim, cada termo técnico desnecessário pronunciado por nós é, na verdade, um versão “entrelineada” do famoso Você sabe com quem está falando?

 

Todos nós, no fundo, queremos deixar bem claros em nossos trajes, celulares e escolha de palavras que fazemos parte da Casa Grande e não da Senzala. Em nome dessa nossa necessidade de auto-afirmação social, escolhemos palavras não por razões semânticas, mas por razões de status. Tal fenômeno se repete em todos os ramos da nossa sociedade, por todos os graus de escolaridade.

 

Para o post de hoje separei três exemplos de caso com os quais tive contato nos últimos dias.

 

O primeiro deles faz parte do jargão empresarial. Não é de hoje que os executivos yuppies maltratam e torturam com requintes de crueldade a língua portuguesa. Na maioria das vezes, o fazem por meio do desprezo, preferindo termos em inglês (porque os consideram mais cool ou trendy), preterindo os equivalentes portugueses. Vou citar aqui, só como exemplo, só para ficar nos mais comuns e mais irritantes: coffee break e briefing. Contudo, nem só de trends palavras inglesas vive o jargão de poder dos executivos. Dia desses, uma executiva de RH de uma empresa me explicou que o nome dado a porcentagem de empregados faltantes em um determinado dia é chamada de índice de absenteísmo. Estranho né? Mas, existe. Dicionarizado e apontado como sinônimo perfeito de absentismo. Contudo, absentismo significa falta com alguma constância. O que torna a coisa realmente estranha, já que o termo se refere ao índice de funcionários que não se encontram na fábrica naquele dia, logo, seria mais coerente que a expressão fosse índice de ausência. Porque nem toda a ausência computada nesse índice apresenta certa regularidade (eu imagino). Logo, índice de ausência não é apenas uma solução mais simples e mais elegante, mas de acordo com o dicionário, é também mais precisa do ponto de vista semântico.

 

Mas, os executivos não são os únicos a padecerem desse mal. O nosso segundo exemplo vem de um ramo extremamente oposto, o que mostra que qualquer pessoa precisando provar que é especialista em alguma coisa acaba tendo que recorrer a esse tipo de exagero. Dia desses, assistindo a Dança dos Famosos do Faustão (o mais famoso concurso de dança de celebridades no Brasil), ouvi um jurado opinar que faltou sincronismo à dupla. Sincronismo? Ok. Outra palavra dicionarizada. Mas, porque não optar pelo seu sinônimo quase perfeito, que no caso torna-se superior pela simplicidade e elegância: sincronia? Por quê? Porque é preciso soar como um discurso técnico e especializado.

 

O terceiro e último exemplo, diz respeito a área de Tecnologia da Informação. Nenhum outro campo do saber humano gerou tantos termos novos em tão pouco tempo. Tuitar, googar,etc. Neologismos que se justificam pelo fato de indicarem atividades que não existiam antes. Porém, essa é a mesma área que criou o mais desnecessário e tacanho dos neologismos: inicializar. Por que não se pode iniciar um computador?

 

Porque as palavras assim como caem e entram em moda também são indicadores de classe, status e função social. Talvez seja o mesmo mecanismo que faz com que as Sociedades Secretas usem e abusem de vocábulos secretos e misteriosos. Isso permite a eles se sentirem iguais ao mesmo tempo que exclusivos. Escolhidos. Membros da mesma seita. Mesmo do mesmo country club.Algo que eu, como bom marxista (seguidor do Grouxo e não do Karl) jamais conseguirei entender, não apenas faço questão de não pertencer a nenhum clube, como jamais aceitaria fazer parte de um clube que me aceitasse como sócio.

Comentários sobre A complicabilidade da falabilidade