Entre o saci e as bruxas

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“A bruxa vem aí / E não vem sozinha / Vem na base do Saci”. A clássica marchinha mostra essas duas criaturas mágicas do folclore em convivência harmoniosa. Nos últimos anos, porém, esses dois seres mágicos são os protagonistas de uma verdadeira guerra cultural. Tudo por causa de uma data. Dia 31 de outubro.

 

De um lado dessa batalha, o Halloween. Como a própria palavra – não oriunda da língua portuguesa – deixa claro, uma festa que não tem origem em nossa cultura. O dia das bruxas. Uma festa dos países de cultura anglo-saxã (Irlanda, Canadá, EUA) que é cada vez mais comemorada em nosso país.

 

Do outro lado o “Dia do Saci”. Símbolo da resistência cultural nacional. Nacionalistas culturais, (Sociedade de caçadores/observadores de SACIs) que já contaram até com o apoio de um senador, Aldo Rebelo (PC do B/SP) – hoje Ministro do Esporte – querem expulsar as bruxas americanas e dedicar o dia todo à lenda nacional.

 

Nessa luta, como em todas as outras, a resistência é o lado mais fraco. Alguns dos fatores para essa diferença de poder são, obviamente, o poderio econômico americano e sua indústria cultural que por meio de Hollywood exporta seus costumes e sua cultura para todos os lugares do mundo. Inclusive o Halloween, inclusive para o Brasil. Contudo, muitos esquecem é que esse não é o único fator. A diferença de poder entre o saci e as bruxas reside também na forma com a qual cada um dos povos se relaciona com o seu folclore.

 

Para os anglo-saxões seu folclore é como um imenso baú de recursos de onde autores podem retirar os mais diversos elementos para suas histórias e alterá-los a seu bel prazer. É isso que aconteceu com o mundo mágico dos bruxos de Harry Potter ou com os Vampiros de Crepúsculo ou de Anne Rice. As lendas anglo-saxãs estão em constante reaproveitamento e reciclagem e, portanto, sempre atualizadas e nas mentes das pessoas.

 

Para nós, do contrário, as lendas já são histórias contadas. Terminadas. Fiéis a suas raízes, mas estagnadas. Nossas lendas continuam ligadas a um Brasil rural, enquanto a maioria de nossa população é, agora, urbana. Fazer trança em crina de cavalo (a travessura preferida do Saci) é uma travessura que não se encaixa no Brasil de hoje. O saci precisa de novas travessuras.

 

Não me entendam mal, nessa luta, estou do lado da resistência cultural, só acho que a estratégia de batalha é errada. As lendas não vivem de festas, políticas culturais ou de projeto de lei, mas sim de histórias.

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