Wittgeinstein, Thelonius, Borges e eu em uma mesa de bar

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“Os limites da minha linguagem significam os limites do meu mundo”. A famosa frase do pai da filosofia da linguagem, Ludwig Wittgenstein, expressa de maneira concisa, e, ainda assim, pomposa, a influência e o papel da linguagem em tudo aquilo que é ou rodeia aquilo que é humano. Mais do que representar, descrever, significar ou mapear o mundo (tudo o que existe, na concepção do próprio Wittegenstein), nossa linguagem intermedia nossa relação com tudo ao nosso redor. Com tudo, e com todos.

O intermédio da linguagem em nossa relação com “todos” é muito mais simples de ser percebido. Tal intermédio é simples de ser percebido porque pedimos, reclamamos, brigamos, odiamos e apaixonamos tendo o idioma como intermediário. Mesmo na ausência desse, o que dificulta, e muito, as coisas, ainda somos capazes de todas essas coisas. A possibilidade de erro aumenta, é claro, a especificidade diminui, mas podemos pedir com o olhar, reclamar com expirações, brigar com arcares de sobrancelha, odiar com um virar de cabeça e apaixonar com um sorriso tolo. Mas não se engane, ainda que desprovidos de verbos e sujeitos, tais atos são linguagem pura. Ou melhor, linguagem em alguns de seus estados mais puros. As sinapses que começarão a saltitar e a correr pelo cérebro daquela (ou daquele) a quem for direcionada o sorriso tolo são as mesmas que correriam e saltitariam ao ouvir a frase de amor. A diferença só aparecerá na saída do túnel do centro de fala, de onde as saltitantes e despreocupadas sinapses ganharão compasso, melodia, ritmo e letra: “je t’aime; ich liebe dich, I love you ou eu amo você”. Logo, não importa se o seu sorriso tolo, após atravessar o centro de fala, soará como um can-can, uma valsa, um jazz ou um samba, isso não mudará o fato de que ele será um ato romântico. Um ato de linguagem romântico. E tolo, é claro, porque se não fosse tolo, não seria romântico.

A linguagem, contudo, não é só música. Pois, ela também intermedia nossa relação com o “tudo”. É ela que nos permite, reconhecer, classificar, enfim, localizar o que recebemos de fora, dentro de nossas cabeças. Nesse caso, a linguagem parece mais um mapa. Um mapa especial. Semelhante ao mapa de Borges. O mapa de um império tão grande quanto o próprio império, de tão detalhado. Logo, inútil, ao ser impossível de ser manuseado e consultado. Esse império, e esse conto, é claro antecedem o google maps e os GPS. Pois, assim como o Google Maps a linguagem não precisa de mãos para dobra-la, abri-la e vira-la. Porém, ao contrário do google maps, a linguagem já está em nossas cabeças, não sendo limitadas pelos olhos para aos poucos lá adentrar. E, ainda ao contrário do Google Maps, a linguagem não nos guia apenas na busca do onde, mas do quando, do por quê e do quem. Ou seja, a linguagem não é apenas um mapa do espaço, mas também, do tempo, do comportamento, da cultura, dos sentimentos. É um mapa da somatória das realidades.

 

Porém, a linguagem compartilha com os mapas a fraqueza de ser traçada. Traçada com as cores e linhas de um idioma. Somente os falantes de alemão são capazes de delimitar a Schadenfreude em seus sentimentos, somente os italianos tem uma indicação para permalosa na região do comportamento e, somente os falantes de português determinam com precisão (tanto quanto o possível, ver texto abaixo) o curso da saudade.

Nesse ponto, justamente, está o prazer de se aprender um outro idioma. Aumentar a legenda de nosso mapa, ser capaz de apontar e indicar locais diferentes ou com maior precisão. Aprendemos outros idiomas, mesmo com a possibilidade de se sobreviver com uma linguagem universal, porque a música só é realmente capaz de fazer brigar, reclamar, odiar e apaixonar quando assume a forma de can-can, valsa, jazz ou samba. Aprendemos outros idiomas, enfim, porque uma vitrola não vive de apenas um ritmo.

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