Companheiros e Companheiras

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Embora Giorgio Gaber não tenha dito, no fundo o discurso sempre foi mais de esquerda. E a esquerda, por sua vez, sempre foi mais de discurso (reza a lenda que os discursos de Fidel Castro chegavam a 12 horas de duração, se ele não estivesse muito inspirado, é claro). Não se sabe se isso se deve ao fato de a esquerda ter ficado menos tempo no poder ou se ao fato de que quando assume o poder a esquerda migra para a direita.

 

Independente do motivo, mais discurso significa mais jargão. Por isso, dividirei o jargão entre de Esquerda Tradicional e de Esquerda Moderninha. Divisão, essa feita apenas pelo “falante médio” do jargão, sem nenhuma base ou fundamentação teórica, nem em Marx, nem na Escola de Frankfurt, nem no PSTU…

 

Começarei, então, com base no princípio do atendimento preferencial, com a Esquerda Tradicional.

Companheiro: Somos todos iguais (lógico, que uns são mais iguais que os outros), então é preciso de um nome que deixe claro essa igualdade. A revolução francesa teve o cidadão e a futura revolução socialista precisava de um termo próprio. Nos filmes do James Bond os russos se chamavam de camaradas, que no Brasil nem sempre tem uma boa conotação (um policial camarada é aquele que aceita suborno, um funcionário camarada é aquele que nos passa na frente na fila e um fantasminha camarada é aquele que não tem amigos…). Então, escolheu-se o termo companheiro. O problema é que com o avanço dos direitos dos homossexuais (e consequentemente a formação de mais casais homossexuais), esses passaram a usar o termo companheiro para se referir a seus consortes. Os mais antigos ignoram o problema de cunho linguístico e continuam usando o termo sem temer ambiguidades.

 

Pelego: Pelego é uma pele de animal usada entre a sela e a montaria com a função de impedir que primeira fira o dorso da última. Em uma figura de linguagem, o trabalhador que fica sempre do lado do patrão e, inclusive, caso seja mais corajoso, fale em nome do patrão para seus companheiros, recebe tal designação. Afinal, o pelego fica entre quem monta e quem é montado (mas, ainda assim, é montado). Apesar da excelente figura de linguagem está caindo em desuso na esquerda. Com a crescente urbanização do Brasil, as pessoas não sabem mais o que é um pelego… assim se perde a imagem e o sentido do vocábulo…

 

Alienado: Ofensa máxima entre os marxistas tradicionais e estudantes universitários engajados em movimentos progressistas. O sentido acabou sendo ampliado para fora do contexto do operário e da divisão do trabalho industrial. Alienado passou a ser aquele que não se interessa por questões políticas ou progressistas. Às vezes, é ainda mais ampliado e usado para denotar todo aquele que lê apenas a imprensa burguesa ou consome obras de arte burguesas (ou seja, lê a revista VEJA e assiste a TV Globo). Porém, fora desses ciclos o termo perde seu sentido, uma vez que alienígena (originalmente, aquilo que é estranho, estrangeiro), é muito mais usado como sinônimo de extraterrestre, culpa de Ridley Scott (mais uma vez, o cinema falado é culpado da transformação. Logo, ao chamar alguém de alienado, fora dos círculos marxistas tradicionais, corre-se o risco de que se entenda: “infectado pela larva de um Alien”.

 

Patronal: Ninguém usa o adjetivo patronal (relativo ao chefe, ao patrão). A menos que seja um sindicalista das antigas.

 

Burguês/Burguesia: O termo de maior sucesso dos esquerdistas. Principalmente, quando dito com desprezo. O problema é que muda de sentido a cada círculo social/profissional (embora, sempre carregue algum desprezo). Nas artes significa uma obra clichê e sem criatividade, na imprensa denota a falta de compromisso com a ética jornalista e a manipulação das massas, em indivíduos é sinônimo de futilidade. Enfim, pode ser utilizado tanto como adjetivo quanto como substantivo para definir (ou qualificar) qualquer pessoa (ou instituição) que priorize o dinheiro a qualquer outro princípio (em teoria) mais importante.

 

Proletariado/Classe Operária: Somente um esquerdista tradicional usaria esses termos no lugar de trabalhador ou gente trabalhadora. Simplesmente porque esses termos perderam força com as mudanças no mundo do emprego. Com a evolução do setor terciário (que passou a empregar a maior parte da população economicamente ativa) operário deixou de ser sinônimo de trabalhador. E com as novas políticas salarias e de recursos humanos, o proletariado tem mais do que a prole: tem televisão, carro, moto e dívidas. Mais extremo ainda, com as mudanças nas taxas de natalidade, em alguns casos o proletário não tem prole!

 

O vocabulário de esquerda, é claro, não se esgota por aqui. Esses termos servem apenas para reconhecer os “companheiros” velhos de guerra que conhecem a letra e a melodia original da Internacional Comunista. Para reconhecer aqueles que só cantaram a versão Punk dos Garotos Podres, que baixaram da Internet, precisaremos de uma lista atualizada, que será apresentada no próximo post.

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