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Ou se não tem ônibus, pegue um helicóptero

É difícil falar no estopim de um evento tão complexo e múltiplo como essas movimentações que tomaram conta do país nas últimas semanas. Porém, acredito que as reações do prefeito da cidade de São Paulo e do governo do estado (e de outros políticos também) aos protestos anteriores e a violenta repressão policial (comentada no post anterior e que inclui, até mesmo uma prisão por porte de vinagre) são fortes candidatos a esse posto. Considero essas declarações eventos importantes menos pelas palavras ditas e mais pela pragmática (o conjunto de elementos não verbais) que cercava tais declarações.

 

Durante os eventos daquela fatídica noite de quarta-feira na qual a cidade (ou pelo menos as cercanias da Avenida Paulista) ardeu em gás de pimenta e bombas de gás lacrimogêneo, o prefeito da cidade (autoridade competente para negociar a tarifa de ônibus) e o governador do estado (a autoridade no comando da polícia militar e competente para negociar as tarifas de trens e metrôs) estavam em Paris, para onde haviam viajado há alguns dias para defender a candidatura da cidade de São Paulo a uma exposição internacional.

 

Mais uma vez e do mesmo lugar, a dupla (de partidos políticos rivais) respondeu praticamente (apesar da diferença de tons) da mesma forma, mantendo a posição que já haviam demonstrado nos protestos anteriores: o movimento era pequeno, localizado, violento e não haveria negociação. Porém, dessa vez, o impacto das declarações foi diferente. Embora não tenha havido nada de extremamente revoltante no que foi dito pelos dois políticos, a postura de continuar a não levar em conta os motivos da manifestação, de não fazer uma crítica mais dura às imagens de excesso por parte da polícia militar (que pipocavam pela rede, ver parte III) e o fato de fazerem isso de Paris foi interpretado como um escárnio. Foi difícil evitar a imagem dos dois políticos se refestelando em vinhos e jantares caros, respondendo com certo desdém a uma reivindicação popular, como se o transporte público na cidade de São Paulo fosse bom e barato e todos ali estivessem reclamando por falta do que fazer. No conjunto da obra pode-se dizer que os dois governantes soaram como duas pequenas Marias Antonietas: “se não têm ônibus; comprem helicópteros”.

 

Para a segunda-feira seguinte foi marcada uma reunião do MPL. Contudo, dessa vez, o chamado não foi atendido apenas por estudantes ou militantes do Movimento Passe Livre em São Paulo. Mas sim, por universitários de Curitiba, enfermeiros de Florianópolis, Estagiários de Publicidade em Manaus e professores de Curso de Inglês em Goiânia. Mais de 300 mil pessoas saíram às ruas em diversas cidades do país (capitais e cidades do interior) pelo direito de protestar, para serem levados a sério, para chamar a atenção dos representantes e pela causa do transporte público. Como as manifestações foram organizadas por intermédio das novas tecnologias, surge a notícia de que a ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) passaria a monitorar as redes sociais e o Whatsapp. As manifestações continuaram e aos poucos (cidade por cidade) as tarifas de ônibus foram sendo reduzidas aos preços do ano anterior ao passo em que a indignação e as reivindicações populares mudaram de alvo e se diversificaram ainda mais (PEC 37, saúde, educação, superfaturamento na construção de estádios para a Copa do Mundo, etc.). A PEC 37 foi derrubada. Uma reforma política começa (ou melhor, volta) a ser discutida e, mesmo bastante esvaziados, os protestos continuam em várias cidades do país…

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