Movimentos progressistas e a linguagem

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“Palavras não fazem nada com a gente. Mas, paus e pedras quebram tudo pela frente”

Embora concorde com as lutas, reivindicações e causas dos chamados movimentos progressistas (movimento negro, ativismo social, feminismo, movimento GLBT, etc.), discordo, muitas vezes ferrenhamente, do que considero um excesso de atenção e energia que os mesmos direcionam para a formação de um “index” do preconceito, ou seja, uma lista de palavras ligadas à opressão de minorias e que por isso devem ter seu uso evitado, abolido e/ou proibido. Algumas correntes de tais movimentos chegam até mesmo a reivindicar que o simples uso de tais palavras do “index” configure como crime de intolerância (violência contra mulher, homofobia, racismo, etc.).

 

É evidente que tais movimentos não “deliram” ao lutar pela formação de tal index de palavras. Afinal, é por meio das palavras que a opressão e a intolerância se manifestam, atuam, prosperam e – até mesmo – se oficializam. Sendo assim, ou seja, reconhecendo tal fato, qual seria o motivo para discordar da luta pela formação de tal index?

 

Primeiro, porque à moda dos desejos inconscientes freudianos reprimir as palavras é transformá-las em tabu. E um tabu é muito mais poderoso do que uma palavra. Um tabu é poderoso e temido. Minha mãe, por exemplo, se refere ao câncer sempre como aquela doença ou aquela coisa, tamanho é o seu medo da doença. Fazendo uso de um exemplo ficcional, lembremos que o poderoso e temido vilão da saga literária Harry Potter, Voldemort, tinha a pronúncia de seu nome proibida, sendo recomendado o uso da forma “aquele que não deve ser nomeado”. Dar tamanho poder para uma palavra talvez seja transformá-la na “arma suprema” da opressão. Naquela palavra que é o ponto final de qualquer discussão. A palavra que fornece aos opressores a certeza de que ao ser usada, desmoralizará por completo e anulará qualquer resistência de um integrante de uma minoria.

 

Além disso, a semântica não é uma ciência simples. As palavras não são a única coisa a serem levadas em conta durante a obtenção de um efeito semântico. Tão importante quanto a palavra usada para oprimir é a pragmática que a envolve. Ou seja, a situação ou o contexto em que a palavra foi pronunciada, quem a pronunciou, a situação em questão, a intenção do falante. Uma palavra, para ser cotada para entrar em tal index, deve poder ser usada como arma. Porém, assim como as armas, não são as palavras que ferem as pessoas, outras pessoas o fazem.

 

Por fim, resta sempre o fato de que as palavras estão em constante mudança. Não apenas no que diz respeito ao seu aspecto ortográfico, mas também pelo aspecto semântico. Embora seja um processo que demande tempo, uma palavra pode ser “regenerada”. Tome-se como exemplo o caso de palavras como “negro” ou “preto”, outrora usadas para ofender os afrodescendentes, que foram por esses apropriadas e transformadas em termos que expressam o orgulho das raízes e dos ancestrais africanos.

 

Porém, em alguns casos, as reivindicações não se tratam da formação de um index ou de uma cartilha de boas maneiras. Trata-se do estabelecimento e da formação de um léxico apropriado para se referir a determinado grupo. Veremos um exemplo no próximo post.

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