Construamos nós mesmos! Bloco a Bloco!

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Se o carnaval carioca (e o paulista, por conseguinte) já se afastou há tempos da farra desordenada de Dionísio na direção de uma exibição e de um espetáculo de grandiosidade e métrica apolínea; se o carnaval soteropolitano deixa a cada dia de ser um “me leva que eu vou” para ser cada vez parecido com uma balada de classe alta ou com uma boate da moda, estaria o carnaval brasileiro, então, renegando todos os traços da influência dionisíaca? A resposta negativa (a salvação?) está nos auto(des)organizados “Blocos”. Mas, o que é um “bloco”?

 

Bloco, segundo uma das quase quarenta concepções apresentadas pelo meu exemplar do Houaiss (que é meu xodó e que me preocupa já que corre o risco de ter a nova edição retirada das livrarias, porém deixemos isso para um dos próximos posts), é definido como:

 

6. fig. Conjunto de coisas consideradas como uma unidade, seja por sua proximidade ou contiguidade (física ou temporal) ou por apresentarem alguma homogeneidade ou semelhança.

 

Desse sentido figurado, nasce a figura do bloco de carnaval. Um conjunto de pessoas (foliões) considerado como uma unidade mais por sua proximidade e contiguidade física do que por qualquer harmonia, ensaio, filiação, fantasia ou traje.

 

Uma óbvia vantagem dos blocos, em termos festeiros, é que eles não participam de “mostras competitivas” – logo, a perfeição (chata e apolínea) não é uma preocupação. Além disso, os blocos não visam encantar ou divertir ninguém, a não ser, é claro, a si mesmos – os risos que ocasionalmente causam nos transeuntes não passam de mero efeito colateral. Os membros de um bloco também não estão ali para serem divertidos por ninguém, e constituem, portanto, um sistema autossuficiente de diversão: o bloco diverte e é divertido apenas por ele mesmo.

 

Se o Carnaval puder ser considerado como uma forma de arte, então os blocos seriam a sua manifestação a levar a arte no sentido de “jogo” ao sentido mais extremo. E, se o carnaval é uma festa sob as bênçãos de Dionísio não pode haver, durante tais dias, sinal maior de devoção ao deus grego do que participar de um deles.

 

Os blocos geralmente são auto(des)organizados ao redor de um tema, uma ideia, uma música (que se repete inúmeras vezes durante a passagem do bloco). Abaixo, a título de curiosidade e variedade, cito alguns exemplos de blocos famosos que saem em diferentes lugares do Brasil:

 

O Galo da Madrugada: o maior bloco de carnaval do mundo – reconhecido oficialmente pelo Guiness Book – sai em Recife (PE) no sábado de carnaval às 7 horas da manhã, porém os foliões começam a se juntar ainda mais cedo. Foi desse horário incomum – sim, no sábado de carnaval, 7 horas da manhã é considerado – sem sombras de dúvidas – madrugada, que o bloco retirou seu nome.

 

Bloco das Virgens: homens saírem para pular carnaval vestidos de mulheres – num estilo mais “comedia dell’arte” do que no estilo do travestismo profissional – é comum no carnaval brasileiro, praticamente toda cidade tem um bloco desses. Porém, nenhum desses blocos é maior e mais famoso que o “bloco das virgens” (o maior bloco de homens vestidos de mulher do mundo, ainda não reconhecido pelo Guiness, mas já reconhecido por este blog). Sai em Crato (PE) e neste carnaval atraiu mais de 5 mil pessoas.

 

Juca Telles: Quem disse que caipira não gosta de carnaval? São Luís do Paraitinga (SP) é a maior representante do carnaval em terras caipiras e o Juca Telles o maior representante do carnaval da cidade. É o bloco que abre o carnaval luizense e, assim como a maioria dos blocos da cidade recebeu seu nome de uma figura mítica das cercanias (no caso, na verdade, do codinome de Bernardo de Souza Pinto). Bernardo ou Juca, no caso, era um oficial de justiça (!) conhecido por ser um excelente anfitrião – sempre recebia seus convidados com uma mesa farta com café e queijo – e um visitante exigente – esperava que seus convidados lhe tratassem, no mínimo, da mesma forma.

 

É claro que os exemplos dados acima são apenas uma ridícula amostra. Existem milhares de blocos espalhados pelo Brasil e muitos outros surgem ano após ano. Afinal, não é preciso muita burocracia para fundar (ao contrário, de para fundar qualquer outra coisa no resto do Brasil), um bloco.

 

Basta ter uma ideia ou um tema (só precisa ser engraçado, não precisa ser original), compor uma música de letra colante e ritmo constante, avisar às autoridades responsáveis (a constituição do Brasil só permite que pessoas se agrupem em locais públicos com aviso prévio às autoridades competentes, não para impedir ou autorizar, mas para evitar que um agrupamento se choque ou misture-se a outro), escolha um dia do carnaval (ou não), um horário, junte um monte de gente e se divirta!

 

Não pode haver forma mais eficaz de cair nas graças (e nos prazeres) de Dionísio.

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