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Alguns posts realizei um pequeno protexto lingüístico (Apologia do achar) contra o preconceito sofrido por algumas palavras. Antes, porém, que eu comece uma mobilização pela “lei da verbofobia”, e dê a nossos deputados o que fazer (sugiro Tiririca como redator), devo dizer que esse, acreditem companheiros, não é o único fenômeno extra-língua que afeta as palavras. Palavras, assim como todos nós (uns, é claro, mais do que outros) também são vítimas da moda. Algumas, chegam até a estarem ameaçadas de extinção (como os bichinhos que servem de matéria prima para casacos de pele).

 

Palavras, como todas as outras coisas, entram e saem de moda sem motivo aparente. De uma hora para outra algumas se tornam tendência enquanto outras deixam de estar em voga. Essas últimas são substituídas por sinônimos não tão eficientes, por gírias, metonímias ou anglicismos “hypados”. Nada contra a evolução da linguagem, mas quando isso acontece indiscriminadamente, esquece-se do fato de que cada palavra tem uma função e um tom específicos. O Houaiss não pesa 5 Kg a toa.

 

Embora as palavras sejam fortemente afetadas pela moda, vestimentas e acessórios servem de metáfora apenas para essa situação e não para sua função. Talvez, para explicar esse último, a melhor metáfora sejam os antigos jogos de montar. Cada peça tem uma cor, tamanho e encaixe. Algumas dão um tom “abstruso” a tudo que montam e, por isso, quase não se encaixam em lugar algum. Outras, “tipo” assim, pelo contrário, podem “tipo” serem “tipo” usadas em qualquer “tipo” de estrutura. (“podem”, contudo, “não devem”). Não acredito que seja coincidência que o mais famoso desses jogos de montar se chame: Lego. Eu leio em latim, ao pé da letra. Porém, como nas gramáticas latinas os verbos são compilados e referidos por sua conjugação na primeira pessoa do singular –Lego – e não no infinitivo – Legere – como na maioria das línguas modernas, uma tradução mais livre, mais abusada e, talvez, mais adequada fosse: Ler.

 

Todavia, nem sempre as palavras entram ou saem de moda sem motivos aparentes. Ás vezes, é possível apontá-los com relativa facilidade. Isso é fácil de notar quando acontece a “extinção do referencial”, a “coisa de verdade” a qual a palavra faz referência. Conforme as mulheres deixaram de usar anquinhas, o uso da palavra foi se tornando cada vez mais raro, até porque, cada vez menos necessário. Fenômeno muito semelhante aconteceu com a palavra ombreira com o fim dos anos 80…

 

Pode parecer, a primeira vista, que apenas substantivos concretos (que indiquem coisas concretas como ombreira, anquinha) estejam sujeitos a tal risco de extinção. Mas, isso não é verdade. Eles são apenas o caso mais perceptível, mas, muitos substantivos abstratos também estão ameaçados de extinção. Peguemos, por exemplo, o substantivo abstrato garbo.

 

Essa palavra, curta, sonora e de fácil pronúncia é assim definida pelo dicionário Houaiss:

1. elegância de modos, de gestos; donaire, galhardia. 2. porte imponente, marcial. 3. qualidade de primoroso, distinção, perfeição.

 

Ora, por que você nunca ouviu essa palavra antes? Por que você nunca utilizou essa palavra (exceto talvez para se referir a uma determinada loja de roupas masculinas)? Simples. O garbo entrou em extinção. Literalmente. Não se encontra mais por aí com a mesma freqüência de antes, nos textos e nas conversas, porque não se encontra mais por aí nas pessoas. Em algum ponto entre queimar os sutiãs em manifestações e levantá-los em festas, as mulheres perderam o garbo. E os homens deixaram-no de lado, por considerá-lo inútil e pouco competitivo.

 

Mas, o garbo ainda existe. Em altas dentistas que são polidas, mesmo quando bebem, em estudantes ruivas cujas ironias são cheias de classe, em administradoras de olhos verdes que conseguem ser altivas comendo mangas… O problema é que quando vemos o garbo, chamamo-no polidez (deixe-a somente como verbo, no sentido de dar brilho), classe (deixe-a para os marxistas), altivez (deixe-a para a aristocracia), style (deixe-a para yuppies metidos à besta). Prefira, como eu, o garbo. A partir de agora, sempre que observo em alguém as características listadas acima (e pelo Houaiss) elogio dizendo: “você tem garbo”. É curto, simples, e, acima de tudo, garboso. Sugiro a todos que experimentem fazer o mesmo. Só não o façam levianamente. Lembre-se, o garbo está em extinção, e, reconhecê-lo (e elogiá-lo) apropriadamente pode ser a única maneira de preservá-lo.

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