Parte 3 – Se escreve como se fala

Como vimos no post anterior deste texto, a internet, por todas as praticidades e pelo anonimato que oferece, acaba sendo, por excelência, o habitat dos babacas. Mais do que isso, sabe-se que essas características da comunicação em rede, assim como a convivência em lugares dominados por babacas ou a tentativa de enfrenta-los no campo de batalha virtual, colaboram para certa “babacalização” que pode atingir até mesmo as pessoas mais legais. Contudo, deve haver algum outro fator que contribua para tantas discussões cheias de fúria a respeito de coisas vazias de importância. Especialmente, porque isso pode acontecer inclusive entre pessoas legais e que tem um bom relacionamento fora do mundo virtual.

babaca

Logo, deve haver algo, alguma característica no registro específico da Internet que favoreça esse tipo de “treta”. Mas, qual seria o registro típico da internet? Mesmo com o grande aumento da largura de banda e da velocidade de transmissão, a maior parte da comunicação na Internet contínua a ser feita, assim como era em seus primórdios de internet discada (ah! vai, nem faz tanto tempo assim), por meio do registro escrito. Escrevemos comentários em posts no Facebook e no Instagram, escrevemos (140 caracteres apenas, mas escrevemos) em tuitadas, escrevemos no Skype… Porém, a forma como escrevemos nas redes sociais é um pouco diferente da forma como, por exemplo, eu e Onério escrevemos neste blog. Mesmo com os textos tendo um tom bastante informal, quando escrevemos neste blog temos à nossa disposição uma série de recursos que, se estão disponíveis, nem pensamos em usar quando nos comunicamos nas redes sociais, como, por exemplo, notas de rodapés, parênteses, travessões, etc. Embora a maior parte desses recursos possa parecer uma enrolação ou excesso de preciosismo, eles são importantes para esclarecimentos e para evitar ambiguidades ou mal entendidos. E, acima de tudo, são recursos exclusivos e típicos do registro escrito.

escrita

Agora, por que não usamos tais recursos quando escrevemos nas redes sociais? Em geral, não usamos tais recursos na Internet, porque, embora estejamos fazendo uso de um registro escrito, tentamos ao máximo aproximar tal linguagem escrita da linguagem falada. É normal e saudável que tentemos aproximar o clima do Facebook daquele de uma roda de discussão ou nossas conversas pelo Skype de uma conversa off-line. Contudo, escrever diálogos é difícil. Uma breve navegação por páginas com dicas para escritores revelará que essa é uma dificuldade para muitos escritores profissionais (alguns até leem seus diálogos em voz alta para ver se eles se sustentam como “falas”). Isso acontece porque, além de possuir outro ritmo, a linguagem falada possui mais ingredientes do que a simples frase pronunciada em si, como o tom de voz utilizado, os gestos, a expressão facial, etc. São justamente essas coisas que são tão difíceis de reproduzir, de forma convincente, na linguagem escrita. Especialmente, por serem feitas de forma automática quando falamos, logo, é normal que nos esqueçamos da contribuição de tais coisas para a comunicação como um todo.

balão de fala

Por não conseguirmos ou nos esquecermos de transmitir esses outros fatores na linguagem escrita das redes sociais (ou das SMS), tornamos a Internet um imenso amontoado de mal entendidos. Muitos dos quais poderiam ser facilmente resolvidos por uma nota de rodapé, um parênteses ou uma nova mensagem antes de dar seguimento a uma discussão.

Mesmo com todos esses fatores apresentados, contínuo a concordar com o cineasta Almódovar (ou seria com o ginecologista Rogério Guimarães, a Internet tem essas coisas com os créditos das citações):

“As pessoas escrevem melhor do que falam. Deveríamos voltar a escrever para nos relacionarmos com os amantes, com os amigos, com a família.”

Porém, deveríamos voltar a fazê-lo (pelo menos de vez em quando) usando os recursos próprios da linguagem escrita. Caso contrário, apenas aumentaremos a rede de mal-entendidos…

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